sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Cozinha chinesa a la Michelin?

Será que existe uma cozinha chinesa Michelin?

A Michelin entrou em força no mercado asiático e depois de Tóquio lançou, o ano passado, o guia Michelin para Macau e Hong Kong. Tal como com Tóquio o número de estrelas surpreendeu muita gente embora o guia francês(?) tenha sido mais comedido nas três estrelas. No primeiro ano dois restaurantes tiveram três estrelas: Lung king heen (um restaurante chinês do Four Seasons em Hong Kong) e A Caravela (o restaurante de Joel Robuchon no Hotel Lisboa de Macau). Não deixa de ser surpreendente que o único restaurante de Robuchon com três estrelas seja um em que ele não está presente e pouco deve visitar... Enfim, os habituais critérios uniformes por todo o mundo de que a Michelin tanto se gaba no estatuto editorial do seu guia... Este ano, parece que o Four Seasons de Hong Kong passou a ter seis estrelas pois o seu restaurante de cozinha francesa também foi contemplado com as três estrelas. Em Hong Kong a especulação financeira deve ter-se transferido para os guias gastronómicos enquanto em Macau até nas estrelas se deve apostar.

Mas falemos dessas “estrelas” asiáticas... O restaurante do Robuchon visitei-o duas vezes em anos anteriores: podia estar lá como em qualquer outro lugar do mundo. Cozinha francesa irrepreensível, boa mas não fascinante (a carta de vinhos é outra coisa: inacreditável mas... é propriedade de Stanley Ho... se a oferecesse a Portugal daria para começar outra Fundação!). Na verdade, Robuchon é bom é nas “tapas” gastronómicas do seu Atelier.

Mas a minha grande curiosidade era conhecer o que seria a cozinha chinesa modelo Michelin. Visitei o três estrelas de Hong Kong e um restaurante chinês com uma estrela em Macau. Comecemos por este último: Lung hin. Muito bom. Trata-se de uma cozinha inovadora chinesa no hotel crowns da city of dreams (nos sonhos deles...)

Comecei com uns fantásticos Pickles chineses, no ponto perfeito de acidez. É-me dada a ler uma enorme lista de vinhos portugueses mas, para alem do chá, opto por um vinho... chinês: grace vineyard da regiao de Shanxi, chairman reserve. Dizem-me que é um dos melhores vinhos chineses (penso para mim que é melhor que seja a 20 euros o copo...) e é feito com merlot e cabernet sauvignon: bom, equilibrado mas longe de justificar o preco. Vale a curiosidade mas, por agora..., na china o chá continua a estar uns furos bem acima do vinho!

O resto vem quase tudo ao mesmo tempo:

  • um crepe de lagosta e coco muito saboroso; o toque adocicado do coco compensado por dois molhos agro-doces bastante ligeiros (um de laranja).
  • Duo de barbecue de porco preto (entrecosto e entremeada): ponto e sabores perfeitos (a técnica chinesa de assar aplicada na perfeição ao porco preto: pele perfeitamente crocante e de cor dourada e a carne quase manteiga; e isto sem que se notasse qualquer gordura). Talvez o melhor porco preto que já comi...O molho de mostarda e açucar ao lado é que era totalmente desnecessário.
  • Carne de kobe (ou Wagyun) com vegetais no wok com porto, soja e basílico. Carne tenríssima e, de novo, a delicadeza dos sabores.

Uma refeição de sabores elegantes com produtos fortes. O único senão: não poder fazer uma pausa durante a refeição. Na china (pelos vistos mesmo com as estrelas!) se não estamos a levar o garfo à boca o prato desaparece-nos da frente. No land for slow eaters...

Curiosamente a minha experiência no três estrelas foi bem menos interessante.

Lung king heen (four seasons de hong kong)

Bela vista: do porto e kowloon. Sala com estilo moderno e depurado. Mesmo assim algo ruidoso mas isso é sinal de um bom restaurante na china

Opto pelo dim sum depois de ter lido um artigo no New York Times que dizia ser o dim sum (uma especie de degustação de tapas à chinesa) a razão de ser das 3 estrelas. O melhor veio cedo: uns bolos de porco com com pinhões cobertos por uma massa adicional de ovo e pinhão. Com o pinhão crocante no interior e a massa ligeiramente estaladiça. Estavam fenomenais. Doce ou salgado? Não sei. Podiam ser sobremesa como podiam ser uma entrada. Mas isso não me confundia, nem eram enjoativos. Podia ter passado o dia a comer aquilo. A partir daqui tudo me pareceu mais banal:

  • Dumpling (com sesamo na casca e ligeiramente fritos) de ganso com trufa: apeans bons.
  • Dumplings com vieiras e camarão algo banais.
  • Dumpling de porco com ovas de caranguejo. Bom e com um ligeiro toque de acidez
  • Rolo de camarão com trufa. Pouco intensa a trufa e com um toque de gordura a mais no frito.
  • Arroz frito: absolutamente banal.
  • Pudim frio de manga com pomelo, muito fresco e saboroso. Ideal para terminar uma refeicao longa.
  • Petit fours: gelatina (de flores) com sementes de ervas (vermelhas) e bolos de sesamo e feijão branco, igualmente deliciosos.

Servico: simpático, bom mas não 100% atentos. Estive imenso tempo com a minha chavená de chá (um must no dim sum) vazia e, enquanto isso, desfaziam e faziam as mesas ao meu lado de uma forma muito evidente. Mas esta é mais uma questão cultural. Na china come-se muito mas rápido e deixa-se a mesa imediatamente após a "ultima garfada"...

O que têm é umas belíssimas embalagens de "doggy bag"

Afinal: o que dá as três estrelas a um restaurante chinês? Dificil dizer. Pelo Four Seasons diria que é a introdução de alguns produtos da cozinha francesa como as trufas. A técnica continua a ser dominada pela cozinha chinesa e a concepção dos pratos também.

Os chineses adoram tudo o que é moderno mas mantêm todas as tradições. Constroiem tudo novo, vestem-se à ocidental, são obcecados pelos últimos gadgets mas, paradoxalmente, são profundamente conservadores. Vivem com as coisas modernas mas de uma forma tradicional. Neste contexto, a cozinha chinesa é sobretudo uma cozinha de tradição em que a técnica domina sobre a inovação. Sendo assím nem sequer compreendo algumas das estrelas chinesas. O melhor restaurante em que já comi em Hong Kong (e em que tive uma das melhores refeições da minha vida) tem 5 andares (correspondentes a diferentes níveis de comida...) e não podia ser mais tradicional. Aí aprendi como o mesmo prato pode ser tão diferente com base na qualidade do produto e na técnica... A perfeição de um peixe ao vapor ou de um pato à pequim como nunca imaginei ser possível. Não vos dou o nome, pois quero-o só para mim, mesmo sabendo que é bem capaz de ter mais de 1000 lugares...

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