quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Verdadeiro Firmamento...

Lá onde as estrelas se acumulam, e brilham sempre com grande intensidade e constância no firmamento da culinária internacional...

Para 'provar' o meu ponto - sobre a necessidade de constância, de estabilidade, de perseverança - gostaria de fazer uma referência ao que foi por cinco vezes considerado 'o melhor restaurante do Mundo': o el Bulli.

Diz-se tudo em duas frases: abriu as portas em 1964, ganhou a primeira estrela Michelin em 1976 (sob orientação do Chef francês Louis Neichel). Em 1984, Ferran Adriá juntou-se ao projecto, que passa a dirigir a solo em 1987. A segunda estrela Michelin chegou em 1990 e a terceira em 1997. Nos últimos quatro anos manteve-se no primeiro lugar da lista dos top 50 do Mundo, da revista Restaurant.

Não pode haver restaurante nenhum do mundo que consiga chegar ao firmamento estrelado e lá se aguente sem um percurso coerente e uma relativa estabilidade. Os chefs - essenciais na obtenção e conservação dessas estrelas - não as levam consigo, quais oficiais-generais, a saltitar de posto em posto até à reserva. O restaurateur só o é no seu restaurant: fora disso corre o risco se se tornar só (mais) uma figura de acaciana memória no panorama nacional: 'um enorme talento'... desaproveitado, um 'Pacheco' dos tachos (dos verdadeiros...)

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Estrelato e Firmamento - Um cruel paradoxo...

Em conversa muito informal com o chef José Avilez, por ocasião da Cataplana Experience (2-6 Set. 2009), integrado no programa do Allgarve Gourmet - abordámos o que parece ser um defeito crónico do nosso panorama restaurativo e, talvez, um dos principais factores de irritação dos sisudos inspectores do famoso guia do Bib Gourmand: a falta de constância dos nossos chefs nos restaurantes e projectos de restauração a que emprestam os seus nomes.

Vale isto a propósito de ter constatado que, no curto espaço de tempo que vai do momento em que foi publicado o guia que referi num outro post (Wine & Food lover's guide to Portugal, 2ed 2008) e a actualidade, uma boa parte dos melhores restaurantes aí referidos ou já encerrou, ou mudou de chef ou o chef mudou de restaurante, ou o restaurante mudou de local.
A lista é imensa! Sem pretender ser exaustivo, encerraram o Vírgula, o Terreiro do Paço, o Bull & Bear, entre outros, mudaram de chef o Panorama, a Casa da Calçada, o Pragma, o Flores, apareceram novos restaurantes de autor, o Alma, o Feitoria, a Tasca, etc, outros trocaram de local: 100 maneiras, Olivier, Vin Rouge...

Aconteceu-me o cúmulo do ridículo quando pretendi experimentar um restaurante sobre o qual tinha lido uma critica simpática numa revista, o Omnia, ali para os lados de Santos. O restaurante pura e simplesmente já não existia! Isto menos de seis meses (dois?, três meses ?) depois de ter aberto! Este defunto restaurante ainda dispõe de um excelente site (http://www.omnia.pt/index1.html ) mas a mensagem telefónica não engana: 'está encerrado por tempo indeterminado'.

Posso, portanto, imaginar qual a irritação dos circunspectos inspectores do Guia Michelin (ou outro qualquer) quando pretendem visitar o restaurante X do chef Y e muito provavelmente se deparam com uma realidade completamente diferente daquela que esperavam encontrar - por vezes com boas surpresas, como é o caso do Panorama do Sheraton que está hoje muito competentemente entregue ao chef Leonel Pereira, mas a mais das vezes com péssimas surpresas como a porta fechada do Terreiro do Paço ou do Vírgula. Para além da irritação, que até poderia ser só momentânea, imagino a prudência com que decidirão escrever e atribuir estrelas a restaurantes em Portugal quando o panorama da restauração é tão volátil. O que é hoje verdade, amanhã já não é; tanto mais quando uma edição do Guia é preparada com (quase) um ano de antecedencia.

Não pretendo aqui explicar, nem sequer divagar sobre a enorme instabilidade dos restaurantes e dos restaurateurs portugueses. Limito-me a constatá-la. E a lamentá-la. Porque estou convencido que essa volatilidade dos projectos restaurativos em Portugal acaba por prejudicar o que seria o seu normal reconhecimento internacional em termos de guias de restaurantes, maxime, no Guia Michelin. Mas, como podem os inspectores atribuir em consciencia - e com prudência normal a que estão obrigados -, uma estrela ou simplesmente um Bib, quando existe tão elevada probabilidade de a realidade ser diferente quando o Guia for publicado, uns meses depois ?

Julgo que os novos chefs portugueses - (quase) todos de grande qualidade e que constituem a vanguarda uma revolução anunciada (e já em curso) de uma nova cozinha portuguesa - uma espécie de geração de ouro que poderia estar destinada a tornar de Portugal um lugar mais interessante para desfrutar a boa comida do ponto de vista internacional. Essa geração provavelmente mereceria já muito mais em termos de reconhecimento externo, só que acaba por ser sistematicamente prejudicada pela instabilidade, a proliferação e a efemeridade dos projectos que os seus protagonistas vão abraçando, sucessiva e vertiginosamente. Em parte, essa volatilidade dever-se-á, certamente, mais à estreiteza do nosso mercado para restaurantes de alta cozinha, do que à volubilidade dos próprios... Mas, nesta fase - et pour cause - alguma constância e perseverança individual e colectiva poderia fazer mais por esta geração de chefs portugueses que todo o frisson mediático e bacoco que essa geração de chefs soube conquistar - e sabe alimentar - nos media e no panorama gastronómico português.

É que parece haver um cruel paradoxo que dificulta a conjugação desse estatuto interno de 'estrela' e a ascenção ao verdadeiro firmamento do estrelato gastronómico universal. As verdadeiras estrelas desse firmamento estão lá, precisamente, com alguma estabilidade...