quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A visita à Quinta do Monte D'Oiro

Faltava registar no deguste.com a excelente visita que fizemos à Quinta do Monte D'Oiro.

Apesar de já ter ouvido falar das "provas musicadas" a que José Bento dos Santos por vezes recorre para apresentação dos seus vinhos, a participação numa confirmou que se trata de uma prova especial.

A associação entre algumas formas que a casta Syrah pode assumir e a música de Paganini, para além de elucidativa, foi um verdadeiro prazer para os sentidos.

Destaco a forma inteligente como a prova está organizada com a definição de uma possível benchmark (no nosso caso foi o E.Guigal Côte-Rôtie Brune et Blonde 1985) e depois a forma como através do portefólio da QMdO se vão subindo os degraus que nos elevam à máxima expressão que o Syrah pode assumir na QMd'O; sempre acompanhados por variações da música de Paganini.

À prova seguiu-se o jantar e mais um frente-a-frente de alguns vinhos da QMdO com vinhos franceses, um Volnay Clos des Chenes de 86 e um Pomerol de 88. Vinhos como o Madrigal 07, o Aurius 05 e o Ex-Aequo 06 mostraram que a qualidade dos vinhos da QMdO não se reduz aos Syrah.

Do jantar, apesar do nível elevado de todos os pratos, destaco o Caranguejo do Alaska em cama de maionese de baunilha e o Boudin noir com maça confitada.

Em termos de vinhos da QMdO os que mais me impressionaram foram o Homenagem a António Carqueijeiro 01, pela concentração, complexidade e boa frescura; e o Ex-Aequo 06, pelo equilíbrio entre estrutura e elegância.

Para o final fica o agradecimento ao nosso anfitrião José Bento dos Santos, pela forma simpática como nos recebeu e pela sua sempre enriquecedora companhia ao jantar!

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A Espanha é a nova Italia?

Aqui vai a minha primeira tentativa a um post Post-Post moderno... Com o iPhone num restaurante espanhol numa pequena cidade americana (New haven) mais conhecida pela sua universidade. Enquanto como em mais um restaurante espanhol desta cidade visitei o blog e não resisti a enviar um post. Até quatro países tinham conseguido exportar a sua cozinha pelo mundo: França, Japão, China e Italia.nmas os casos não são iguais: a cozinha francesa influenciou os grandes restaurantes mas também a cozinha caseira mas nunca se extendeu aos fast food. A cozinha japonesa está representada em restaurantes dos mais caros às cadeias fast food mas nunca se vulgarizou nas nossas cozinhas (apesar dos inúmeros cursos para gerações yuppies). A cozinha chinesa o mesmo. Apenas a cozinha italiana está presente em todo o lado: do restaurante de topo a tasca (trattoria) da esquina; da cadeia de fast food ao que cozinhamos em casa.
De repente, ocorreu-me perguntar: o que determina a globalização de uma gastronomia e a sua conquista do mundo? A resposta fica para outra ocasião porque isto de escrever no iPhone não é fácil... Mas lanço um palpite: a cozinha espanhola vai ser a próxima a conseguir o que os italianos conseguiram? E sabem mais: com a nossa ajuda pois já encontrei em vários restaurantes espanholes pratos portugueses...

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Vinhos que não de agora


Não temos uma resposta incondicional para o fenómeno, mas a verdade é que o Inverno nos impele para a prova de vinhos com alguma idade.

O frio do época poderia, é certo, aconselhar exactamente o oposto, ou seja a escolha de vinhos jovens, encorpados, cuja força, exuberância e álcool aquecessem os "espaços em volta", mas não. Decididamente, a nossa escolha tem seguido inteira para vinhos, normalmente tintos, moldados pelo tempo, vinhos com fôlego e com a subtil complexidade que só o tempo em garrafa atribui. Talvez seja afinal a Quadra Natalícia, e a inerente vontade de provar o que de melhor temos na garrafeira, que nos leva a cometer esse devaneio de abrir algumas daquelas preciosas garrafas que reservamos para uma ocasião especial. Talvez...

Este ano, começámos por regressar à "Casa Ferreirinha" (Sogrape), um dos poucos produtores nacionais que, a par de alguns vinhos de volume, se especializou em tintos que sabem e conseguem envelhecer de forma nobre. Este ano, voltámos pois a duas colheitas dos anos '80 e a outras duas da década de '90. De uma assentada, provámos - e adorámos todos eles – o Barca Velha (T) 1985, o Ferreirinha Reserva Especial (T) 1986, o Ferreirinha Reserva (T) 1996 e o Ferreirinha Reserva Especial (T) 1997. Incrível, desde logo, o facto de todos os vinhos estarem em perfeitas condições, ou seja, sem oxidações excessivas, sem cheiro a "rolha", com níveis adequados de líquido, com as rolhas firmes, todos com viva cor encarnada e todos (uns mais do que outros) com fruta ainda evidente.

Num outro momento de convívio, regressámos a outros dois néctares que já não provávamos faz muito (demasiado...) tempo. Foi no último jantar da tertúlia Deguste, no restaurante Manifesto, e foi vez de não perdoar a vida a duas garrafas de Quinta da Pellada Jaen (T) 1999 e a uma de Redoma (T) 1996. Ambos os vinhos, se bem que com uma evolução menos positiva que os Ferreirinha, revelaram, contudo, força (tanino) e determinação (fruta), mesmo se o duriense teimou em mostrar uma oxidação algo exagerada. Ainda da Pellada, provámos também, noutro jantar ainda, o tinto de 2001, de delicado e harmonioso bouquet, altivo no corpo e na fruta, em suma num grande momento de forma (tivemos sorte com ambos os Pellada dado os conhecidos problemas que este produtor teve, no final anos '90, com as leveduras). Novamente, nada de cheiros a "rolha" nem outras complicações, apenas o prazer de degustar vinhos que não de agora.

Venham mais momentos destes!

NOG

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Resolução de Ano Novo

"Ser menos preconceituoso em relação aos brancos que se fazem em Portugal". É recente, a resolução. Tomei-a durante o nosso último jantar.



Boas festas!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Cogumelos

A propósito da conversa que tivemos no último jantar, suscitada pela deliciosa preparação do Luís Baena, uma notícia que pode ser útil para alguns de nós (para mim certamente, sempre tentado a arriscar a vida nos passeios pelo campo): um curso em identificação de cogumelos silvestres, promovido por uma organização chamada Terramater. Já teve edições anteriores, mas as próximas serão nos dias 20 e 21 de Fevereiro (e também nos dias 10 e 11 de Abril) de 2010. O programa pode ser consultado aqui. Dirige-se a "todos os interessados em cogumelos, que queiram alargar os seus conhecimentos nesta área e/ou completamentos com uma componente prática.". Interessado em cogumelos, pelo menos em comê-los e emergir vivo da experiência, estou eu certamente...


Amanita Cesarea

Outra empresa que parece dedicar-se a isto é a Quadrante Natural, que vai organizar um passeio micológico no dia 21 de Março de 2010, na Matinha de Queluz, e já tem promovido cursos de identificação como este. E nas pesquisas na net, constato que há até um fórum de discussão intitulado "Cogumelos de Portugal". Fantástico.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Cozinha chinesa a la Michelin?

Será que existe uma cozinha chinesa Michelin?

A Michelin entrou em força no mercado asiático e depois de Tóquio lançou, o ano passado, o guia Michelin para Macau e Hong Kong. Tal como com Tóquio o número de estrelas surpreendeu muita gente embora o guia francês(?) tenha sido mais comedido nas três estrelas. No primeiro ano dois restaurantes tiveram três estrelas: Lung king heen (um restaurante chinês do Four Seasons em Hong Kong) e A Caravela (o restaurante de Joel Robuchon no Hotel Lisboa de Macau). Não deixa de ser surpreendente que o único restaurante de Robuchon com três estrelas seja um em que ele não está presente e pouco deve visitar... Enfim, os habituais critérios uniformes por todo o mundo de que a Michelin tanto se gaba no estatuto editorial do seu guia... Este ano, parece que o Four Seasons de Hong Kong passou a ter seis estrelas pois o seu restaurante de cozinha francesa também foi contemplado com as três estrelas. Em Hong Kong a especulação financeira deve ter-se transferido para os guias gastronómicos enquanto em Macau até nas estrelas se deve apostar.

Mas falemos dessas “estrelas” asiáticas... O restaurante do Robuchon visitei-o duas vezes em anos anteriores: podia estar lá como em qualquer outro lugar do mundo. Cozinha francesa irrepreensível, boa mas não fascinante (a carta de vinhos é outra coisa: inacreditável mas... é propriedade de Stanley Ho... se a oferecesse a Portugal daria para começar outra Fundação!). Na verdade, Robuchon é bom é nas “tapas” gastronómicas do seu Atelier.

Mas a minha grande curiosidade era conhecer o que seria a cozinha chinesa modelo Michelin. Visitei o três estrelas de Hong Kong e um restaurante chinês com uma estrela em Macau. Comecemos por este último: Lung hin. Muito bom. Trata-se de uma cozinha inovadora chinesa no hotel crowns da city of dreams (nos sonhos deles...)

Comecei com uns fantásticos Pickles chineses, no ponto perfeito de acidez. É-me dada a ler uma enorme lista de vinhos portugueses mas, para alem do chá, opto por um vinho... chinês: grace vineyard da regiao de Shanxi, chairman reserve. Dizem-me que é um dos melhores vinhos chineses (penso para mim que é melhor que seja a 20 euros o copo...) e é feito com merlot e cabernet sauvignon: bom, equilibrado mas longe de justificar o preco. Vale a curiosidade mas, por agora..., na china o chá continua a estar uns furos bem acima do vinho!

O resto vem quase tudo ao mesmo tempo:

  • um crepe de lagosta e coco muito saboroso; o toque adocicado do coco compensado por dois molhos agro-doces bastante ligeiros (um de laranja).
  • Duo de barbecue de porco preto (entrecosto e entremeada): ponto e sabores perfeitos (a técnica chinesa de assar aplicada na perfeição ao porco preto: pele perfeitamente crocante e de cor dourada e a carne quase manteiga; e isto sem que se notasse qualquer gordura). Talvez o melhor porco preto que já comi...O molho de mostarda e açucar ao lado é que era totalmente desnecessário.
  • Carne de kobe (ou Wagyun) com vegetais no wok com porto, soja e basílico. Carne tenríssima e, de novo, a delicadeza dos sabores.

Uma refeição de sabores elegantes com produtos fortes. O único senão: não poder fazer uma pausa durante a refeição. Na china (pelos vistos mesmo com as estrelas!) se não estamos a levar o garfo à boca o prato desaparece-nos da frente. No land for slow eaters...

Curiosamente a minha experiência no três estrelas foi bem menos interessante.

Lung king heen (four seasons de hong kong)

Bela vista: do porto e kowloon. Sala com estilo moderno e depurado. Mesmo assim algo ruidoso mas isso é sinal de um bom restaurante na china

Opto pelo dim sum depois de ter lido um artigo no New York Times que dizia ser o dim sum (uma especie de degustação de tapas à chinesa) a razão de ser das 3 estrelas. O melhor veio cedo: uns bolos de porco com com pinhões cobertos por uma massa adicional de ovo e pinhão. Com o pinhão crocante no interior e a massa ligeiramente estaladiça. Estavam fenomenais. Doce ou salgado? Não sei. Podiam ser sobremesa como podiam ser uma entrada. Mas isso não me confundia, nem eram enjoativos. Podia ter passado o dia a comer aquilo. A partir daqui tudo me pareceu mais banal:

  • Dumpling (com sesamo na casca e ligeiramente fritos) de ganso com trufa: apeans bons.
  • Dumplings com vieiras e camarão algo banais.
  • Dumpling de porco com ovas de caranguejo. Bom e com um ligeiro toque de acidez
  • Rolo de camarão com trufa. Pouco intensa a trufa e com um toque de gordura a mais no frito.
  • Arroz frito: absolutamente banal.
  • Pudim frio de manga com pomelo, muito fresco e saboroso. Ideal para terminar uma refeicao longa.
  • Petit fours: gelatina (de flores) com sementes de ervas (vermelhas) e bolos de sesamo e feijão branco, igualmente deliciosos.

Servico: simpático, bom mas não 100% atentos. Estive imenso tempo com a minha chavená de chá (um must no dim sum) vazia e, enquanto isso, desfaziam e faziam as mesas ao meu lado de uma forma muito evidente. Mas esta é mais uma questão cultural. Na china come-se muito mas rápido e deixa-se a mesa imediatamente após a "ultima garfada"...

O que têm é umas belíssimas embalagens de "doggy bag"

Afinal: o que dá as três estrelas a um restaurante chinês? Dificil dizer. Pelo Four Seasons diria que é a introdução de alguns produtos da cozinha francesa como as trufas. A técnica continua a ser dominada pela cozinha chinesa e a concepção dos pratos também.

Os chineses adoram tudo o que é moderno mas mantêm todas as tradições. Constroiem tudo novo, vestem-se à ocidental, são obcecados pelos últimos gadgets mas, paradoxalmente, são profundamente conservadores. Vivem com as coisas modernas mas de uma forma tradicional. Neste contexto, a cozinha chinesa é sobretudo uma cozinha de tradição em que a técnica domina sobre a inovação. Sendo assím nem sequer compreendo algumas das estrelas chinesas. O melhor restaurante em que já comi em Hong Kong (e em que tive uma das melhores refeições da minha vida) tem 5 andares (correspondentes a diferentes níveis de comida...) e não podia ser mais tradicional. Aí aprendi como o mesmo prato pode ser tão diferente com base na qualidade do produto e na técnica... A perfeição de um peixe ao vapor ou de um pato à pequim como nunca imaginei ser possível. Não vos dou o nome, pois quero-o só para mim, mesmo sabendo que é bem capaz de ter mais de 1000 lugares...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Deguste Vila Joya (post de Luis Bento dos Santos)

O Luis Bento dos Santos, que está com dificuldades em conseguir inserir este post, pediu-me que o fizesse. aqui vai:

Como as alterações climáticas passámos a ter apenas duas estações, vou organizar os meus comentários aqui no Deguste em dois blocos: Impressões de Verão e Impressões de Inverno. Assim poderei preguiçosamente escrever só sobre o que os sentidos registaram com relevância, e não preciso de ser exaustivo… acresce, que fica mais poético – mas nem por isso deixarei de classificar as experiências havidas, pois isto de comidas e vinhos só ganha brilho e vida própria se for partilhado!

Impressões de Verão

Jantar em Vila Joya, Agosto de 2009 rating: 19/20

Há mais de uma dúzia de anos que eu e a Elsa, acompanhados de amigos, visitamos ritualmente, no Verão, o jantar de Gala das 5ªs feiras do Vila Joya. É uma ideia magnífica, ou não fossem os rituais, como escrevia Saint-Exupery, das melhores coisas do Mundo – pois antes de ocorrerem já estamos a antecipar o prazer!

Já lá vão os tempos em que era obrigatório fato e gravata; hoje em dia a simples camisa é perfeitamente apropriado. Concluiu-se assim que, ao longo dos tempos, a indumentária evoluiu aqui na inversa proporção da qualidade da degustação …

Preocupo-me sempre, neste caso, em escolher convivas que sejam discerning, tal como quando jogo ténis a pares procuro parceiros de qualidade – o resultado e a experiência dependem também (e bastante!) de com quem se dança a música, especialmente quando ela promete ser celestial. Assim, parte do que vou referir resulta de apreciações de terceiros que chamaram a atenção para nuances de que eu não me teria apercebido, embora tudo o que vou referir tenha sido conscientemente registado por mim próprio.

… Preliminares

A recepção pelo Sr. João com a sua casaca negra e a sua transbordante simpatia e critério posicionam de imediato o restaurante. A minha mesa, sempre a mesma, permite desfrutar do cândido entardecer sobre a falésia e o mar. Assim, enquanto as cores quentes do fim do dia se vão transformando progressivamente em cinzas e negros profundos pontilhados por estrelas longínquas – e algumas vezes no passado, não por acaso, acompanhados pela lua cheia e seus reflexos de prata no mar – a expectativa pela chegada dos amuse – bouche vai crescendo… na mesa uns aparadores discretos valorizam os guardanapos lindamente montados como um smoking branco com uma flor natural dourada na lapela. Os copos Wine Star de cristal fino preparam-nos para um jantar de excepção.

As ofertas do Chefe

Surpreendentemente foram três.

Começámos com uma ostra falsa molecular com gelatina do mar e caviar. A primeira parecia um ovo de perdiz branco numa pequena colher e a outra, que se lhe seguia uma gelatina verde de algas com caviar de esturjão. Não se podia começar melhor: o caminho estava traçado e lembrou-me o poema de António Machado:

“…Caminante no hay camino

sino estelas en la mar…”

Ou seja, começávamos com sugestões de maresia, nada de muito definitivo, e este caminho continuaria depois pelas outras ofertas sempre com texturas etéreas, que nos levavam a procurar a essência à volta da qual se estruturava o conceito de cada pequenina entrada. Prosseguimos com gelado de yutzu com agrião de ostra - o efeito, aliás, neste caso confessado, é o do gin fizz e o seu gelo moído, mas o perfume atira-nos para a espuma do mar – e uma trufa de vieiras com espuma de wasabi (nota 20). Continuámos com uma oferta quadrupla: um macaron (tipo Ladurée) de enguia com mousse de salmão (nota 20); uma truta salmonada em tempura com ovas de truta (nota 20) um grissini com uma folha enrolada de sashimi de tuna toro (nota 20); e uma batata com chouriço ibérico (nota 17), mas a fechar bem, com a gordura salgada na sequência das notas subtis de maresia e de texturas suaves entre o gelatinoso, o croustillant e o diluível, absolutamente fascinantes. Ouf! Tudo isto acompanhado de champanhe Brut Merveille do português De Sousa (10% de pinot), uma ligação irrepreensível em que a suave acidez do vinho, masculino, mineral mas elegante e delgado na boca, a lembrar os vintage Krug, e a bolha fina e surpreendentemente concentrada no meio do copo complementava na perfeição a insustentável e sublime essência da experiência gastronómica.

“E ainda não começámos …”alguém comentou.

… As entradas

Começámos com os caranguejos com melão e espuma de chá príncipe. Extraordinária combinação, ligeiro, sofisticado, saboroso, parece-nos ver aqui a elevação trazida pelo sub-chefe italiano Mateo, como o melão rosado italiano parece indicar.

Continuamos, sempre acompanhados agora de um muito bem escolhido Quinta das Marias encruzado de Dão 2008, com fígado de pato salteado com figo e gelado de fígado de pato: sinal da modernidade trazida pela pesquisa de Adriá, que as petazetas pouco presentes (felizmente) sugerem. Interpreto como a sofisticação necessária: como fazer um menu destes, sem trufas e sem foie? E prosseguimos com perna de rã Sot l’y laisse, (realmente, e talvez pela sua localização na ave, muito tolo não come esta delicadeza, ainda melhor que a própria coxa) gema de ovo e molho Mignonette – aqui eu sou suspeito pois adoro pernas de rã, mas, tal como, enquanto professor universitário sentia que a escala era curta para classificar certas coisas, e um 20 aqui é malgré lui, redutor. É que a emoção não tem quantificação possível: não é perfeito, como uma obra dirigida por Karajan mas é muito mais que isso – original, pequenino mas denso e complexo, ossito que estrutura algo maior do que se inspira possa suportar, tal como o nosso atlas suporta o peso da nossa superior e inigualável inteligência.

. O prato de substância

Depois de uma espera algo exagerada – bem sei que la cuisine est un art, il faut savoir attendre, mas meia hora c’est trop! – chegou o bife de vaca Wagyu com Cantarelos, almôndegas de tutano e o seu molho de vinho tinto. Interessante mas não surpreendente. Explico-me: não é que tudo tenha que ser surpreendente ou reinventado, mas então deveria valorizar o core do prato (como aliás sucedeu nas iguarias anteriores), que neste caso é a qualidade da famosa carne de vaca alimentada a cerveja e massajada ao som de musica clássica… A sinfonia era evidente não havendo nada que destoasse, mas já comi e os outros convivas também beef Wagyu de mais qualidade, pelo que fico com a dúvida se assim fosse realmente todo o apparat montado não valorizaria verdadeiramente os sucos e a essência do sabor desta carne teoricamente tão especial. Acompanhado de um Monte D’Oiro Reserva 2004 que em grande forma o enobreceu, com o seu equilíbrio e os suaves aromas de amoras maduras e damasco, polvilhado de especiarias e pimenta.

A Elsa, fiel desta vez ao seu principio de não comer carne, deliciou-se com um cherne muito saboroso e pouco cozido, apresentando-se em lascas brilhantes e muito bem ligado com raviolis de couve-flor e espuma do mesmo legume – mais que muito bom a aproximar-se do divino…

… Os finalmente

De seguida, um “mozzarela falso” acompanhado de um pesto muito suave, tudo a fazer uma transição perfeita para os doces. (???)

. Os Doces

Para terminar em beleza serviram-nos uma sopinha de ameixa com sorbet de requeijão e ameixa e um bolo de pistáchio com mousse branca, pêssego e geleia, este último o melhor doce que me lembro de comer em Portugal. Espero bem que se mantenha na lista e se torne um clássico, tal como os “fruits rouges en trois étages” sempre foi o ex-libris do L’Ambroisie. Logo a seguir uma delícia de maracujá e chocolate Jivara de cortar a respiração. Tudo isto acompanhado genialmente de um invulgar Muscat de Beaumes de Venize do grande produtor Chapoutier – dificilmente um vinho sabe mais à uva (aroma primário) do que este! No entanto, suficientemente equilibrado para não esmagar a subtileza das extraordinárias sobremesas.

Comecei com esta primeira contribuição para o blogue, porque queria começar positivo e optimista. O facto dos colegas se terem proposto escrever sobre o óptimo jantar que tivemos na Quinta do Monte D’Oiro, obrigou-me a continuar a minha procura do Graal, que já vem de há mais de um ano, e já me estava quase a resignar a escrever sobre um dos 3 restaurantes com uma estrela do Algarve a que fui em Agosto, quando fui de férias consegui ainda encaixar short-notice e com a ajuda do sempre amigo Sr. João à ida deste ano ao Vila Joya. Abençoada decisão! É por isto que valem todos os sacrifícios – isto para mim é a procura de uma obra-prima de arte que seja sublime, ou seja que para os crentes evidencia o toque de Deus, e aos profanos faça prova da existência de algo infinitamente superior em perfeição, espiritualidade e bondade ou compaixão… e que nos chega por um sopro subtil de plenitude que, momentaneamente, nos envolve numa ocasião como esta.

Uma boa amiga ao meu lado replicou que esta mesma sensação de plenitude a tivera ela, há uns dias, quando meio adormecida descansava na praia, e foi envolvida pela natureza e pelos elementos, num maravilhosamente suave fim de tarde deste surpreendente Verão 2009!

Bom… se Alberto Caeiro diz que “…por vezes oiço passar o vento, e acho que só para ouvir passar o vento, vale a pena ter nascido…” também eu, e alguns comigo nesta noite, invocaram o seu Guruji pela sorte de existir ali…

Notas finais

  1. Apresento desde já as minhas desculpas por alguma incorrecção na descrição dos pratos, que as haverá certamente, pois baseadas em impressões sem investigação junto dos mestres criadores, ? ?, e que , não duvido, na optica do produto a ciência contida de cada prato é infinitamente maior que a breve sugestão captada no momento (e aqui reproduzida) poderia relevar.
  2. Uma recomendação: o restaurante devia manter em lista as suas obras primas, o que nos parecer impossível dada a formula de restaurante de pensão completa em hotel que, no essencial, é. Isso fez-me pensar que cada quinta-feira passada lá equivale a um conjunto de árias, algumas cantadas pelo Pavarotti e pela Callas, que nunca mais serão ouvidas! E, pior ainda não se encontram registadas para reprodução futura… Um privilégio para quem estiver lá, com que desperdício para a Humanidade e a gastronomia em Portugal!...

Luis Bento dos Santos