sexta-feira, 31 de julho de 2009

A propósito de livros...novamente.


Desde 6ªFeira passada, altura em que jantei com o Pedro Maduro sob o pretexto de ele partilhar as suas recentes experiências gastronómicas em algumas casas Estreladas em França e Espanha, que estou a "devorar" um dos livros que ele trouxe de uma delas , exibindo as dedicatórias dos três irmãos Roca como trofeus, EL Celler de Can Roca - Una sinfonia Fantástica de Jaume Coll e fotografia de Francesc Gullamet das Edicions Domeny (tem calma Pedro, que o termo “devorar”, apesar de estar bem empregue, asseguro-te que se trata de uma degustação puramente literária e, claro está, por vezes visual, obedecendo à tal história dos olhos comerem, tal a qualidade das fotos...).

Tenho imensa curiosidade neste restaurante e daí este entusiasmo pelo livro. Trata-se de um livro, a meu ver, curiosamente estruturado a fugir um pouco do marasmo em que caíram algumas destas publicações que exploram a beleza e a complexidade dos pratos com pouco ou nenhum enquadramento. Neste livro, pelo contrário, há claramente a necessidade de explicar o resultado actual, expondo o percurso ascendente de cada um dos protagonistas nos últimos 20 anos, dando ênfase à casa paterna (Can Roca) como incubadora do projecto. Passo-a-passo, acumulando experiências, solidez técnica, e muito trabalho de equipa (aqui sem dúvida beneficiados pelos laços familiares) atingem um lugar que, por muitos, só em sonhos é alcançado.

Penso que é mais um livro que nos faz ousar tentar perceber o caminho da genialidade. Transpira-se paixão e dedicação, comprovando as velhas máximas :
1) a excelência só se atinge quando gostamos realmente muito do que fazemos e 2) o ambiente em que crescemos tem imensa influência, muitas vezes latente, nas nossas vocações e, como afirmava Einstein,
3) O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário

Penso que foi o restaurante que mais subiu ultimamente nos rankings, o que me leva a pensar que efeito terá esta (muitas vezes desesperante) pressão na tal entrega e paixão que falava há pouco. Como será manter a criatividade, inovar, surpreender a este nível? Uma pergunta que alguns bloggers do Deguste podem ajudar a responder com certeza.

O Pedro dizia-me “... é mesmo excepcional Rui, temos que juntar um grupo e ir lá, pois tenho de voltar lá...” e se me queria convencer, emprestar-me o livro foi decididamente um plano astuto.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Homenagem a José Bento dos Santos

Uma vez que não posso deslocar-me esta 6ª feira à Quinta do Monte D'Oiro com os companheiros deste blog, gostaria de deixar uma nota sobre o vinho branco produzido em Portugal que mais me impressionou: o "Vindima de 7 de Outubro", Viogner, 2003, desta Quinta.

Trata-se de um branco de 15 graus, seco mas lembrando pela cor um colheita tardia. De grande complexidade, tem uma enorme capacidade de adaptação a diferentes combinações gastronómicas (o que justifica cabalmente o livro de receitas publicado pela Assírio e Alvim que Bento dos Santos lhe dedicou) e é diferente de tudo o que se possa provar.

Tive a sorte de o beber em várias ocasiões (cortesia do JFV), o que permitiu acompanhar a sua evolução. Em minha opinião, atingiu o seu apogeu em 2008. Hoje denota uma ligeira evolução (ao menos a garrafa mais recente a que tive acesso), mas continua a ser um vinho extraordinário, daqueles que se elevam à categoria de Arte.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A propósito de livros...

Aconteceu mencionar em conversa com diversos amigos gourmets (e gourmands...), entre os quais alguns dos nossos bloggers, que considerava o guia de Charles Metcalfe (e Kathryn McWhirther), The Wine and Food Lover's Guide to Portugal, o melhor guia de restaurantes de Portugal. Qual não foi o meu espanto quando me apercebi que esse livro era praticamente desconhecido. Imerecidamente desconhecido.

É que não se trata de um 'vulgar' guia de restaurantes: é provavelmente o mais completo livro sobre vinhos, gastronomia e turismo portugueses publicado nos ultimos tempos.

É um livro extraordinariamente bem feito, à 'inglesa': a informação é criteriosa, actualizada, bem exposta e organizada logicamente de um modo que a torna fácil de ler e fácil de encontrar as referências pretendidas.
Os autores assumem o carácter pessoal das escolhas, e nota-se um cuidadoso trabalho de investigação de base e uma verificação in loco extensiva e exaustiva. Não é 'apenas' um óptimo guia de restaurantes no sentido que as escolhas, as classificações e os comentários são judiciosos, informados e apropriados - é sobretudo uma viagem culta ao mundo dos vinhos e da gastronomia portuguesa, com uma excursão informada sobre o que há de interessante para ver e experimentar em todo Portugal, incluindo as Ilhas.

O livro coloca um assumido enfâse nos vinhos e apresenta a informação organizada por regiões vinícolas (vinhos regionais), afastando-se das tradicionais divisões administrativas das provincias ou regiões-plano (ou regiões de turismo). Para além das regiões trata separadamente as cidades de Lisboa e do Porto/Gaia

Dispõe de muito mais informação que uma lista de restaurantes: centra-se sobretudo nos vinhos (quintas, adegas, adegas cooperativas, empresas, enotecas, castas, etc) e nos sabores regionais, refere os locais onde se podem comprar as essas especialidades locais/regionais, os melhores hoteis onde de pode pernoitar, locais a visitar, romarias e eventos a não perder.
Está acompanhado de mapas e esquemas muito precisos e legíveis - referem, orgulhosamente, que o livro dispõe dos melhores mapas vinícolas de Portugal até à data. As diferentes referencias - de restaurantes, hoteis, lojas, eventos - apresentam-se organizados geograficamente e por ordem alfabética para facilidade de consulta, e são profusamente ilustradas com fotografias adequadas e de qualidade (de Luís Pais) com legendas sóbrias e informativas. Os simbolos utilizados são intuitivos. Ocasionalmente apresenta uma 'caixa' salientando factos ou informações de enquadramento que aprofundam e explicam determinado nome ou curiosidade.

O prefácio é do bem conhecido guru dos vinhos, Oz Clarke que faz um merecido elogio aos autores e aos vinhos portugueses.

E, por fim, talvez o mais surpreendente: trata-se de um livro (muito bem) feito em Portugal!
Originariamente o impulso parte da ViniPortugal com o apoio da AICEP, com financiamento do PRIME (Fundos Estruturais UE), grande parte da investigação de base deve-se a portugueses e a revisão é extraordinariamente cuidadosa (contrariamente ao que é comum em livros do género, há pouquissimos erros ou misspels dos nomes e palavras portuguesas). Foi impresso em Portugal pela Printer Portuguesa (Arvato), primeira edição de 2007, revisto e reimpresso em 2008.

Naturalmente, há alguma informação relativa a restaurantes que já está desactualizada (no momento em que escrevemos, em 2009), alguns restaurantes de referencia - em Lisboa e ailleurs - encerraram, outros abriram ou trocaram de chef ou de espaço (VírGula, Terreiro do Paço, Bull & Bear, Panorama, Alma, 100 Maneiras, Vin Rouge, Bocca, etc, etc). Mas isso deve-se mais ao dinamismo (volatilidade ?) do nosso panorama restaurativo que a uma desactualização grave do guia. Aliás, os próprios autores encorajam os leitores a dar o seu feedback para futuras edições do livro.

Last but not least: este é um livro escrito por ingleses, em língua inglesa, com perfil e mentalidade - e qualidade- 'à inglesa' (cf. os excelentes índices e organização), fruto de uma cooperação com entidades oficiais portuguesas e beneficiando de colaboração de qualidade feita por portugueses, que não encontrei disponível em Portugal (comprei-o na Amazon.uk por £ 16.95 - hoje comprava-se por £ 11.87 - and it is worth every penny of it!). Para quando uma versão portuguesa deste livro ? Será que os portugueses não podem ter acesso a uma tradução do livro financiada pelos Fundos Estruturais da UE? (Ou o receio que seja uma edição de sucesso complica as contas do financiamento ?...)


The Wine and Food Lover's Guide to Portugal
Charles Metcalfe & Kathryn McWhirter
Inn House Publishing, Balcombe, Haywwards Heath, UK
1st ed 2007, repr. 2008

ISBN 978-0-9557069-0-5
Depósito Legal 264544/07
£ 19.95 na Amazon.uk
'Portuguese Cuisine' em Blogue de outras latitudes...

Haverá certamente quem discuta se existe uma especificidade suficiente na gastronomia portuguesa para se poder falar, com propriedade, de uma verdadeira 'cozinha portuguesa', - diga-se, en passant e pour memoire, que não considero que exista uma verdadeira 'cozinha portuguesa', sendo esta, antes, uma declinação da cozinha europeia mediterranica.

Sem embargo desta pequena provocação - que procurarei consubstanciar em futuros posts - o meu propósito de hoje não é contribuir para esse debate. Queria apenas chamar a atenção para a crescente popularidade e interesse que a 'cozinha portuguesa' - ou o quer que esse quid seja denominado... - regista noutras latitudes. E saudar, também, o papel extraordinariamente meritório que alguns portugueses das Comunidades Portuguesas têm na divulgação dos nossos sabores e saberes gastronómicos (e sem esquecer os vinhos...) por esse mundo fora. É o caso do excelente blogue , Leite's Culinária , de David Leite, autor de diversas publicações premiadas pela famosa Fundação americana James Beard (os seus 'Annual Awards' são uma marca de referência - e de excelência - na literatura culinária anglo-saxónica).

O David acabou de lançar (em bom rigor, vai ser lançado em Agosto) um novo livro, The New Portuguese Table: Exciting Flavors from Europe's Western Coast , que contribuirá muito certamente para a divulgação da gastronomia portuguesa nos EUA e no mundo anglo-saxónico em geral - com uma boa distribuição e um pouco de sorte arrisca-se a que venha a ser o mais conhecido livro em língua inglesa sobre cozinha portuguesa.
[By the way, para quando uma nova tradução - à altura - do clássico Cozinha Regional Portuguesa, de Maria de Lurdes Modesto, ou a tradução do não menos excelente Tesouro da Cozinha Regional Portuguesa, de Maria Odete Cortes Valente, Circulo de Leitores/Temas e Debates, 2008 ]

sexta-feira, 24 de julho de 2009

A Propósito do Queijo de Azeitão

Uma vez que neste blog se falou no Queijo de Azeitão, aproveito para aqui deixar algumas notas sobre aquele que considero o melhor dos queijos nacionais de pasta mole (nunca menosprezando um bom Serra da Estrela).
Como trabalho na zona e uma vez que também se produz Queijo de Azeitão na Quinta de Camarate (uma iniciativa de Domingos soares Franco a título particular), decidi aprofundar, e partilhar, os meus conhecimentos sobre este tipo de queijo.

A sua história está ligada à da José Maria da Fonseca. Tudo começou quando, por volta de 1830, Gaspar Henrique de Paiva, cunhado de José Maria da Fonseca, também oriundo de Monsanto, na Beira Baixa, se estabelece em Azeitão, dedicando-se a actividades agrícolas.
Decide mandar vir um rebanho de ovelhas da sua terra natal e todos os anos pedia a um queijeiro de Castelo Branco que lhe viesse fazer queijo tipo Serra da Estrela, de que tanto gostava.
Da partilha do saber do queijeiro com as gentes da região, nasceria, com o passar dos anos, o Queijo de Azeitão.

Este é um queijo de leite de ovelha, coagulado com flor de cardo (de uma variedade espontânea, que apenas se encontra no Sul de Portugal), de forma redonda, com um peso médio de 250 gr. No início também eram queijos de 1 kg, à semelhança do Serra, mas a evolução dos tempos e a pressão do mercado (adequação do tamanho à ocasião de consumo, principalmente na restauração) fez com que o tamanho fosse diminuindo, e hoje em dia podemos mesmo encontrar queijos de Azeitão com 100 gr.
A sua cura deverá durar um período mínimo de 20 dias (este período normalmente é superior).

O Queijo de Azeitão deverá apresentar casca fina, em tons amarelo-claro, e a sua pasta deverá ser mole, mas não líquida (tal é considerado um defeito), macia e com poucos "olhos" (demasiados "olhos" é considerado outro defeito). O queijo deverá ser cortado ao meio e depois partido em pequenas fatias, e não servido "à colher". Após o corte, o queijo deverá "derramar/entornar", mas não em demasia.
Deverá ser servido como entrada ou a terminar uma refeição, antes da sobremesa.
Ao contrário da opção mais comum, o meu gosto pessoal leva-me a preferir acompanhar este tipo de queijos com um vinho branco com madeira (experimente-se um Pasmados branco, por ex.). Se tivesse que optar por um vinho tinto, escolheria um vinho novo e encorpado, cuja frescura e acidez se "batessem" bem com o sabor verdadeiramente único do Queijo de Azeitão.

Boas degustações!

terça-feira, 21 de julho de 2009

2 Spots


Entranhou-se esta palavra inglesa – "spot" – querendo significar "sítio", "local", mas no fundo querendo significar um sítio e um local "cool", querendo "cool", por sua vez, significar "com pinta" ou "com estilo", no fundo aquilo que é ou está "fashion", querendo "fashion" significar… bom, já se percebeu onde eu quero chegar.
Pois bem, modas à parte, temos mais 2 spots gastronómicos: um no Chiado, colado ao S. Luiz, o Spot S. Luiz do categorizado Fausto Airoldi (Rua António Maria Cardoso 58, tel. 213430253); o outro em Sintra, localizado entre a estação de comboios e a biblioteca, o G-Spot (Alameda dos Combatentes da Grande Guerra 12, tel. 927508027) onde o escanção Manuel Moreira e dois ex-cozinheiros do ex-100 Maneiras (Cascais) assentaram pé. Em ambos os restaurantes come-se bem (aqui e ali, pode ser que brilhem), o ambiente é agradável, e preços são muito simpáticos (raramente mais do que €30 p. pessoa). O primeiro spot está mais na moda (a localização no Chiado ajuda); o segundo é mais agradável para uma refeição sem multidões e para aqueles que não esquecem que Sintra é das vilas mais bonitas de Portugal.
É só escolher…

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Ai! Ai! Ai! Que suspiro!...

Este é o relato de um enorme suspiro. Um suspiro de alivio depois de me ver livre de uma trapalhada restaurativa numa das últimas propostas do Chef do mesmo nome. Provavelmente todos conhecemos a figura rubicunda e atarefada do Chef Luís Suspiro, desdobrando-se continuamente na sua omnipresença restaurativa de variadas declinações, das mais sérias e mais ordeiras, às mais veraniegas e espraiadas. Esta 'estória' aconteceu ali por em torno do Campo Pequeno, bem no centro da cidade, na última (enfim, no sentido, da 'mais recente'...) aventura do Chef Suspiro, na esplanada 'Portugalidade'.

Não comento - nem reproduzo - o acerto com que um dos comensais - eramos quatro - comentava o duvidoso gosto, 'proto-marialva' e 'nacionalista', dos ditos que grafitavam as paredes do restaurante. Enfim, sempre estávamos na esplanada onde esses escritos não impunham a sua presença, nem o seu dislate, apesar de se insinuarem, numa combinação algo incoerente, com a liguagem meio infantil, meio efeminada, profusamente usada na ementa - que é, só por si, um monumento ao espítito seu autor...

Perante a vontade dos quatro comensais fazerem uma espécie de menu de degustação - atrapalhação geral perante a ideia: 'que não servimos senão às doses', 'que não empratamos de modo diferente', etc. Tudo bem. Finalmente, lá conseguimos convencer o atarefado moço que servia à mesa que nos poderiamos servir, sucessivamente, dos quatro pratos, desde que não os trouxesse todos ao mesmo tempo.

Primeiro prato, entrada, carapaus alimados com salada montanheira - em honra à minha recente transferencia algarvia. Veio a salada, supostamente montanheira, onde pontificava o tomate demasiado grande e sobrava um toque a mais de vinagre. Mas, a primeira surpresa, foi a completa ausência dos carapaus. Alimados ou não, faltavam de todo! Ainda procurámos com esperança por baixo dos enormes pedaços de tomate, mas nada. Esperámos alguns minutos, forçando a conversa, que o esquecido moço nos trouxesse o peixe. Quando, já meio irritado inquiri sobre a tão bizarra ausência do ingrediente principal daquele prato, o moço responde-me com uma candura desarmante que o cozinheiro o tinha informado que naquele dia não havia carapaus na praça e, por isso (lógica irrepreensivel!) não os podiam servir com a salada...
Entre os quatro comensais olhámos para o rapaz e olhámos uns para os outros, incrédulos, perante o que acabaramos de ouvir. Desculpe ?! Pode repetir ? E o cândido, repetiu - palavra por palavra - sem se dar conta da enormidade do que dizia e do que o cozinheiro lhe teria dito. Portanto, não havia mesmo erro: serviam apenas 'meio prato', porque o principal faltava... Claro que o moço não soube responder se um dia faltasse o bacalhau, se continuariam a servir a meia desfeita só com grão, salsa e cebola, ou se o ovo continuaria a ser 'a cavalo' no caso do bitoque ter falta de comparência...
Um primeiro grande Ai! Muito suspirado.


Já de pé atrás com as explicações do carapau desaparecido, démos-lhe uma hipótese de redenção com os pasteis de massa tenra. Outra contrariedade: o cozinheiro manda dizer que a dose são dois e não pode servir mais nem fazer pasteis mais pequenos para servir uma unidade a cada um dos quatro comensais. Depois do que se passara, no minimo esperariamos uma dose extra de pasteis, com todas as desculpas do mundo. Mas, qual quê ! Este 'cozinheiro' e o seu temeroso porta-voz que nos servia, insistia na falta de cortesia: Se quiserem quatro pasteis pagam duas doses (diga-se, em abono da verdade, que a esplanada estava cheia, o que pode ter contribuido para o desnorte do pessoal, a menos que se trate de um subtil artificio para afastar clientes mais exigentes...).
Os pasteis lá vieram e foram apreciados por todos. A meu ver o recheio tinha, no puxado, excesso de tomate e chouriço - e as migas que os acompanhavam estavam um tanto aguadas.
Outro Ai! Ainda que um pouco menos suspirado

Seguiram-se dois pratos estufados, ou guisados, que não me impressionaram grandemente, nem para o bem, nem para o mal. Recordo vagamente que eram, ambos, demasiado parecidos apesar de um ser coelho e outro cabrito, adocicados e demasiado saboridos - possivelmente não foram pensados para serem comidos em sucessão, num menu tipo degustação. Aí fomos penalizados pela nossa escolha - sendo certo que ninguém nos soube avisar disso antes - e muito menos tal se esperaria do candido moço que nos servia.

Lá para o fim da refeição aparece, simpático e atarefado, o nosso inefável Chef: Então ? Gostaram ? Estava tudo bem ? Após uma sumária descrição do sucedido, o nosso Chef explode: Faltam os carapaus e não me dizem nada ???? Isto não é possivel !!!! Faltavam os carapaus, improvisa-se alguma coisa !!! Estes tipos ainda me levam à falência! Daqui a dois meses fecho isto! Não consigo encontrar gente competente! Querem que tenha um ataque de coração! E ainda disse algo meio incompreensivel a propósito dos preços serem muito baratos para a qualidade da comida que servia... (seria uma desculpa ? uma justificação ? um desabafo ?)

Tudo em grandes berros e gesticulação dramática. Todas as mesas se aperceberam do que se passara e, mais, todos os esforçados empregados de mesa, agora tremiam perante o seu chefe-ainda-mais-patrão-que-o-cozinheiro.

Por acaso - diria por distração e certamente não por esquecimento ou desleixo - o Grande Chef embora desculpando-se com a incompetência alheia - que neste caso também era a própria por dever de ofício - não teve uma palavrinha simpática de desculpas perante as vitimas principais daquela sucessão de disparates.
Um Ai! Muito, muito suspirado.

Mas, dulcis in fondo, o 'melhor' ainda estava para vir. Quando chegou a conta, verificámos com surpresa que afinal estava lá tudo: o primeiro prato com os carapaus, as duas doses de pasteis (e tudo o mais, certinho). Peguei na conta com dois dedos e devolvi-a ao esforçado moço nos atendia: disse-lhe apenas que lhe daria uma única oportunidade para corrigir a conta, atendendo ao que tinha corrido mal naquela refeição. Que falasse com o temido cozinheiro, ou com o irascível Chef-patrão, mas que 'tratasse do assunto' - antes de pedirmos o livro de reclamações.
O empregado suava e contorcia as mãos: 'Não é justo! Por favor, diga-me o que acha que deve ser corrigido...Dê-me uma dica! Por favor, dê-me uma dica! (sic)'

No final lá apareceu uma conta corrigida (tiraram o valor de uma dose de pasteis e meio valor dos carapaus...). Ainda assim superava os 100 euros, o que, há que convir, não será muito para uma refeição de quatros pessoas com vinho (o excelente Alvarinho Quinta do Soalheiro 2008), mas é demais para tanta trapalhice.

Um grande Ai! de alívio por, finalmente, nos irmos embora, que não havia paciência para aguentar tantos disparates!

Em jeito de moral da 'estória' : os nossos restauradores - mesmo os mais conhecidos - ainda têm muito que aprender quando se trata de receber os clientes. Tanto eles como os seus colaboradores. Neste episódio omiti alguns outros pormenores, mais ou menos tristes, por economia de espaço (e por que me esforço por esquecê-los), por exemplo, o interminavel tempo de espera entre pratos, o tratamento só superficialmente profissional dos empregados que confundem arrogância e correria com eficiência, o pior: o indesculpável 'passa-culpas' do patrão para os empregados e destes uns para os outros, remantando com a falta de senso e de sentido de negócio de todos que, para facturarem mais uns 10 ou 20 euros naquela refeição, correm o risco de, muito provavelmente, perderem quatro clientes para sempre.

Certamente não leram o 'Negocios à Mesa', de Danny Mayer. Uma leitura que recomendo vivamente ao Chefe Suspiro - e a outros - bem como a todos os seus esforçados colaboradores que servem à mesa nas esplanadas do Campo Pequeno (e em todas as outras esplanadas e restaurantes deste país).

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Azamor em Vila Boim


Conhece Vila Boim? Próximo de Elvas, no limite do concelho de Vila Viçosa, para os lados da famosa Quinta da Terrugem, quase-quase Espanha? Conhece? Pois bem, nós não conhecíamos e só ficámos a par da sua existência quando por ela passámos (e voltámos a passar, pois não usamos senão um mapa e é antigo...) antes de entrar numa longa picada em direcção ao Monte do Rego, casa de Allison e Joaquim Luiz Gomes, sede e alma dos tintos Azamor.
A vinha, toda tinta, foi plantada já no início do novo século em compasso apertado à moda francesa, mas foi preciso que alguns anos passassem para que as plantas ganhassem porte. Adega moderna, de dimensão apropriada ao projecto (coisa que vem sendo rara em Portugal tanta é a mania das grandezas), sala de pipas com temperatura controlada, consultadoria de David Baverstock (mais conhecido pelo trabalho no Esporão, além de outros, mais vetustos, no Douro) e parcerias pontuais com outros enólogos australianos. Allison e Joaquim têm hoje uma gama séria de bons tintos, todos eles sedutores nas matizes frutadas e acetinados na boca. O conceito é de "distinctive boutique wines" pelo que nem sempre será fácil encontrar os produtos Azamor (em Lisboa, tente nas "Coisas do Arco do Vinho" no CCB).
A gama começa então com o Azamor tinto, um vinho capaz, moderno e com muita capacidade de atracção, com destaque para as últimas colheitas, de 2006 e 2007 (este provado em "cask sample"). Temos depois, num salto qualitativo significativo, a referência Selected Vines, lotes maioritariamente compostos de Syrah, tintos sensuais que aliam, de forma terrivelmente eficaz, potência a fruta em camadas. Das várias colheitas ficámos impressionados com a de 2005, um vinho que desperta os sentidos mais hedonísticos.
Depois, a curiosidade (cada vez mais presente em terras alentejanas) da casta francesa petit verdot, a solo num monovarietal necessariamente mais vegetal e enigmático que os "irmãos", mas igualmente eficaz na hora de dar prazer. Por fim, temos um topo de gama, denominado de Icon, por enquanto apenas na colheita de 2004, um vinho fresco, complexo em cambiantes minerais e com longo final de boca, sem dúvida o vinho menos “modernaço” de toda a gama; sem dúvida, o nosso predilecto.
Dos vinhos Azamor, sobretudo dois merecem destaque e a eles já nos referimos: ao Azamor Selected Vines 2005, e ao Icon 2004, com diferentes possibilidades de harmonizações gastronómicas. O primeiro servirá certamente bem para emparelhar pratos de carne condimentados e intensos, como o divinal leitão lechal preparado em forno de pão que comemos no local. Já o segundo exige maiores cuidados, deverá ser pensado para acompanhar especialidades mais subtis e de sabor mais complexo.
É claro que, a par do wine paring, o preço é deveras importante na hora de decidir qual botelha levar para casa. Uma vez que o Icon (a 45€) custa o triplo do Selected Vines (a 15€), a nossa recomendação tem de seguir para este último.