sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Citação

"No man is lonely while eating spaghetti - it requires so much attention"

Christopher Morley

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Terça-feira Gorda

O Carnaval, para mim, não é a celebração das máscaras, dos bailes, dos corsos, dos foliões, das brincadeiras ou da alegria, nada disso. Na verdade, na nossa tradição cristã, muito mais importante do que isso, o Carnaval é a despedida (temporária) da “carne” – o último tempo em que, antes da Páscoa, a “carne” “vale”.
É, pois, fundamental assinalar com “pompa e circunstância”, o fim do primeiro período de abundância gastronómica – que terá o interregno da Quaresma – e que só será retomado, na sua plenitude, com a celebração da Ressurreição de Cristo.
As refeições de Terça-Feira Gorda devem ser, assim, constituídas por pratos fortes, ricos em substância e capazes de alimentar as gentes durante o deserto quaresmal.
Em minha casa (como, penso, em muitos outros lares portugueses), o almoço de Terça-Feira Gorda costuma ser de cozido (à portuguesa, naturalmente), com os melhores enchidos (farinheiras, chouriços, morcelas, linguiças, paios, presunto), carnes de três origens (vaca, porco, aves), couve e cenoura cozida, arroz branco, feijão e muito caldo.


As tradições também mudam e, este ano, a despedida da carne é feita sem carne. Por sorte do acaso, abundância da safra e escolha unânime dos comensais, a Terça-Feira Gorda é, desta vez, assinalada com lampreia (o meu avô João comia-a sempre na 4.ª Feira de cinzas, com a desculpa piedosa de que o “ciclóstomo” era seguramente mais peixe que carne)…
Não sei se a escolha é muito “ortodoxa” mas parece-me que preenche todos os fundamentais propósitos da efeméride.
Venha ela!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

"Os Melhores do Ano 2008" pela Revista de Vinhos

Na passada sexta-feira realizou-se mais um jantar de entrega de prémios "Os Melhores do Ano 2008", pela Revista de Vinhos.
Este ano o jantar ocorreu no Centro de Congressos e Exposições da Alfândega do Porto.
Considerado a entrega dos Óscares do vinho nacional, é uma oportunidade para provar os melhores vinhos nacionais lançados no ano anterior, uma vez que existe a real hipótese de se degustarem a maioria dos vinhos "nomeados".

Na impossibilidade de provar todos os quase 120 vinhos, deixo aqui algumas notas dos que provei:
- Dorado Alvarinho Superior 07, a pedir comida, dado o seu corpo e boa acidez;
- Quinta do Soalheiro Alvarinho Reserva 07 (Prémio de Excelência), num estilo diferente do anterior, também com uma excelente acidez, mas maior frescura, a deixar boas perspectivas quanto à sua evolução em garrafa;
- Aneto Grande Reserva tinto 06 (Prémio de Excelência), excelente nariz e presença elegante na boca, o final deixou-me um travo algo doce na boca;
- Quinta Nova Grande Reserva 06, do mesmo enólogo do anterior (Francisco Montenegro), considerei-o o vinho da noite, bom nariz, muito elegante e equilibrado, a sua acidez e frescura são fantásticos;
- Dona Maria Reserva tinto 05, também uma boa surpresa, de cor carregada, mostrou-se bastante complexo e encorpado, sem perder elegância;
- Vinha da Nora 05, um bom Syrah, aromático qb e elegante, com a madeira discreta, mas presente;
- Vinha de Saturno 06 (Prémio de Excelência), o enigma da noite, já que não encontrei neste vinho, motivos para os elogios de que foi alvo; por o achar ainda muito fechado e vigoroso acho que o estágio em garrafa e a decantação poderão fazer-me mudar de ideias;
- Duas Quintas Reserva Especial 04 (Prémio de Excelência), um Douro diferente do novo estilo que tende a afirmar-se, a fruta está lá, mas a complexidade aromática evoca também o lado vegetal, um vinho que "pede" comida;
- Quinta da Gaivosa Vinha de Lordelo 05, um vinho bastante diferente do anterior, todo o conjunto é mais directo e poderoso, apesar disso considerei-o equilibrado e agradável (é um daqueles vinhos que bebido a uma temperatura acima dos 17º pode-se tornar enjoativo).

Dos vinhos que receberam Prémio de Excelência fiquei com pena de não ter provado: Charme 06 (para ver como se comportava no meio de vinhos tão diferentes deste estilo Borgonha), Poeira 06 (para comprovar o seu equilíbrio e elegância), Júlio B. Bastos Alicante Bouschet 04 (para definitivamente mudar a minha opinião sobre esta casta quando vinificada como monovarietal) e Burmester Tordiz porto + de 40 Anos (para constatar a excelência dos tawnies velhos).

Quanto ao jantar propriamente dito, servido por Solinca / Chefe Hélio Loureiro, gostei do prato peixe, um Lombinho de Bacalhau sobre esmagado de batata e alheira de caça, emulsão de tomilho, limão e azeite; gostei menos da carne, um Lombo de Novilho com arroz de caldoso de grelos e feijão encarnado, em parte por ter chegado já morna a um prato que já tinha estado quente. As quase 900 pessoas dificultam a vida a um Chefe.

Boas provas!

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Sampa

"Primeiro estranha-se, depois entranha-se"... em poucas cidades do mundo senti tão verdadeira a apreciação que Pessoa terá feito da Coca-Cola como em S.Paulo. É uma cidade, a todos os títulos, fascinante, com uma "vibração" única e uma oferta cultural e gastronómica verdadeiramente excepcional. De facto, o "melting pot" decorrente do fortíssimos fluxo migratório (portugueses, italianos, japoneses, libaneses, sírios, egípcios, cariocas, nordestinos, gaúchos, etc...) foi fazendo de S. Paulo uma cidade gigante , com problemas insolúveis e uma beleza pouco "ortodoxa" mas muitíssimo cativante para o cidadão cosmopolita. Acho que tem razão Caetano Veloso quando diz que Rita Lee é a sua (da cidade) mais completa tradução.
O grande problema da minha viagem é que as alternativas para almoçar e jantar eram muitas e o calendário demasiado curto para poder experimentar todos os "musts" que me tinham indicado (o que teve a vantagem de me obrigar a regressar em breve...).
O ponto alto desta estadia foi um dos ícones da restauração/hotelaria paulistana: o mítico Fasano. Tive oportunidade de jantar na "casa-mãe" do maior império da restauração de qualidade de S.Paulo, o restaurante sito no piso térreo do Hotel com o mesmo nome (cuja morada é, curiosamente ou não, a Rua Vittorio Fasano).



O Fasano é, antes de mais, um espaço deslumbrante, com uma arquitectura "limpa" e uma decoração muito sofisticada, que envolve a sala do restaurante num luxo descontraído e muito agradável.
O serviço é absolutamente impecável, num misto de simpatia brasileira com eficiência norte-americana, presente quando é necessário mas sem a insitência "chata" da marcação "homem-a-homem" que tantas vezes acontece.
A cozinha é, naturalmente, italiana, da autoria do Chef Salvatore Loi (natural da Sardegna) e consegue surpreender pelo interessantíssimo equilíbrio entre uma marcada fidelidade à cozinha tradicional de diversas regiões de Itália e subtis toques de inovação e modernidade, mais evidentes na apresentação e combinação dos pratos do que na construção das receitas e utilização dos ingredientes. O resultado é muitíssimo bom.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Siza no Douro

Ainda não foi inaugurada, mas já está em funcionamento. A primeira adega desenhada por Siza Vieira (e a segunda a ser construída) está na Quinta do Portal. Gostei muito.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Florença: A modernidade está no passado

Foi há quase quinze anos que abandonei Florença depois de cinco fantásticos anos de vida. Tenho continuado a visitar a cidade com frequência mas, preparando agora um regresso mais estável, voltei a visitar a cidade com um olhar diferente. Mais atento ao que mudou e ao que está na mesma. Na verdade: quase tudo está na mesma. A modernidade em Florença está sempre na forma como reinventa o seu passado. A cidade parece permanecer arrogantemente indiferente ao que muda à sua volta certa de que o seu fascínio sobrevive à sua apenas aparente decadência. Florença nunca aceitou "actualizar-se" e sempre entendeu que aquilo que na cidade não mudava era sempre o que de mais moderno o resto do mundo podia encontrar. Como se fosse o mundo que ainda tivesse muitos anos de atraso em relação a Florença. Para os florentinos o mundo ainda não atingiu a modernidade que se encontra no passado de Florença.
Um dos melhores exemplos disso é a cozinha. Dos grandes restaurantes à mais simples trattoria dominam os grandes clássicos: ribollita, papa al pomodoro, faggioli al olio, bistecca, cogumelos porcini (cepes) em várias combinações. Pratos de uma cozinha pobre em cidade rica. Muda o refinamento dos produtos, alguns toques na execução e o cuidado na apresentação. Não se equivoquem, no entanto. Isto não deve ser confundido com inércia ou falta de curiosidade intelectual: vários chefes florentinos conhecem bem e até gostam da cozinha mais vanguardista mas não a praticam pois acham que a modernidade da cozinha florentina se encontra no seu passado. Quando inventam é apenas um pequeno retoque numa receita conhecida ou a redescoberta de um produto quase desaparecido. Abordam a sua cozinha com o mesmo respeito que merecem os monumentos da cidade: são restaurados e, quando muito, expostos de forma diferente. A inovação na cozinha florentina é fruto da arqueologia gastronómica e não da pura criatividade. Os grandes chefes florentinos são arqueólogos do gosto. Tal como com o resto da cultura e arquitectura florentina, são capazes de nos convencer que nada é mais moderno do que o seu passado.
É por isso também que os grandes restaurantes florentinos permanecem os mesmos. Pouco muda no panorama da restauração de Florença. Um óptimo exemplo disto mesmo é o grande "clássico moderno" de Florença: Cibreo. Fez agora 30 anos. Criado por Fábio Pichi, "filho" dos revolucionários anos 60, que, provavelmente, o levaram a criar um restaurante que ainda hoje tem uma versão para ricos e uma versão para pobres. No restaurante e na trattoria comessem os mesmos pratos (com uma selecção mais pequena na segunda), apenas o serviço muda (não sendo, igualmente, possível reservar para a trattoria). Os preços também mudam: duas vezes mais caros no restaurante (impressiona ver os menus com os mesmos pratos lado a lado). Nos meus tempos de estudante em Florença o Cibreo já existia mas a versão pobre era mais ou menos clandestina (uma sala, nas traseiras da cozinha, em que se partilhavam as mesas). A trattoria pode assim ser considerada como um aburguesamento… Um local de classe média… Para além destes dois espaços, Fábio Pichi criou mais recentemente o Teatro del Sale. Trata-se de um clube (têm de se inscrever como sócios para poder entrar…) em que, por um lado, a cozinha é tratada como uma arte cénica e, por outro, como um local de encontro e socialização. A comida vai saindo, anunciada pela voz imponente do Fábio Pichi, de uma enorme cozinha aberta. Come-se em espaços comunais enquanto esperamos por algum espectáculo no palco.
Embora os espaços (e os preços…) variem, a comida de Pichi é substancialmente a mesma nos três locais: receitas (sobretudo florentinas) em grande parte quase desaparecidas que ele ajudou a recuperar e em que a cozinha pobre é dominante. Poucas ou nenhumas massas que é coisa pouca toscana. Os clássicos paté de fígados ou tripas à florentina para começar. Um extraordinário creme de pimentos (a melhor sopa que alguma vez comi) ou uma sopa de peixe como entradas. Um estufado de carne ou umas almôndegas como pratos principais. Uma torta de chocolate ou de laranja para terminar. Tudo pratos de uma aparentemente enorme simplicidade. E, no entanto, comemos e saímos com uma sensação de enorme requinte. Este é o segredo de Fabio Pichi: transformar uma refeição pobre de aldeia num banquete de luxo. E, no restaurante, paga-se o luxo: mais de 100 euros por cabeça. Já na trattoria pode ficar tudo à volta de 30 e no teatro del sale são 25 euros tudo incluindo (mais 8 ou 10 euros para a inscrição no clube).
É visível em Pichi uma certa concepção ideológica do acto de comer. Através das diferentes manifestações da sua cozinha ele socializa, redistribui, mobiliza. Para além de tudo isto, no entanto, está um chefe perfeccionista e fiel à tradição florentina de que não há nada mais moderno no mundo que o passado de Florença.
Há outras sugestões em Florença. Para além da famosa Enoteca Pinchiorri (três estrelas Michelin) que eu, no entanto, ainda não visitei, aqui ficam dois favoritos meus: Alle Murate e Enoteca La Sosta del Rosselino (em Settignano). Noutra oportunidade falarei com mais detalhe destes e outros restaurantes florentinos.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Quinta do Vallado
















fotos: jfv
Provei na Quinta do Vallado todas as edições do varietal Sousão e do Reserva.
É singular a casta Sousão. No Minho é designada Vinhão e dá origem a vinhos adstingentes, ácidos, e de tipicidade dificilmente exportável. No Douro, predomina na vinha velha de onde provém o mais exclusivo e sofisticado Porto: Quinta do Noval Nacional. O Vallado é um dos raros produtores que têm apostado em vinhos monocasta Sousão. E, como referiu Francisco Spratley Ferreira, há quem ame e quem odeie. Na verdade, gostei mas não fiquei seduzido. É diferente do paradigma dos vinhos do Douro. Muito rústico e violento, cor sempre muito carregada, taninos à flor da pele, vai ganhando serenidade com o passar dos anos. Daí que o 2004 esteja agora pronto a beber, enquanto os 2005 e 2006 pareçam ainda pedir descanso por mais uns anos. O menos polido foi o 2003, com o produtor possivelmente ainda em fase experimental.
Com os Reserva, estamos noutra dimensão: a da classe dos grandes vinhos do Douro, ou seja, dos grandes vinhos mundiais. O 1999 estava óptimo. O 2000 (provado em garrafa magnum) estava no momento óptimo para se beber: complexo, fresco, elegante, cheio. O 2003 (também em magnum), apresentava uma juventude invejável e era possívelmente o melhor dos vinhos provados. Levei-o para o almoço e foi crescendo no copo, tendo acompanhado de forma perfeita um cabrito assado com arroz de forno. Os mais recentes (do 2004 ao 2006) precisam de tempo para mostrarem o que valem, embora sejam já fantásticos vinhos.
Uma boa surpresa foi o Porto 10 anos produzido por esta casa, aparentando mais idade e que simpatizou muito com uma espécie de carpacio de laranja com Porto e aparas de chocolate da sobremesa.